Ao redor do Mercado da Lapa, aqui em São Paulo, há sempre um comerciozinho informal de coisas da terra: são carriolas com feijão de corda verde, mandiocas amarelas e produtos sazonais como umbu e os deliciosos pequis. Sempre nesta época de chuva, que é o tempo deles, compro os pequis para conservar no freezer para a entressafra. Eles congelam muito bem. O cheiro é frutado, lembra maracujá, e a polpa, cremosa, saborosa. Uma das melhores invenções da natureza. Dos caroços cozidos no arroz ou no frango, inteiros, dá pra ir raspando o molinho com os dentes (não é coisa que se coma de garfo e faca) até chegar à camada mais dura. Aí é que mora o perigo, pois há uma infinidade de espinhos soltos e doidos pra grudar no céu da boca dos desavisados. Mas é só ir roendo com cuidado e não insistir quando encontrar resistência. Enquanto a polpa está macia, você está num campo seguro. Quando a coisa endurece é hora de parar. A foto mostra a parte comestível, bem fininha ? a camada superficial de tonalidade mais forte. Dentro, depois dos espinhos, há uma castanha deliciosa, já explorada comercialmente. Sinceramente não sei como extraí-la e cortar o caroço ao meio não é pra qualquer faca. Trouxe um pouco das amêndoas de Brasília e aproveito para reproduzir aqui o texto do jornalista Jaime Gesisky, do Instituto Sociedade, População e Natureza, que conheci no Terra Madre, em que explica sobre o pequi e o trabalho da Ong.
Fruta típica do Cerrado, de cor amarelo-ouro e considerada uma iguaria gastronômica, o pequi está mudando a vida dos extrativistas do município de Japonvar, a cem quilômetros de Montes Claros, no norte de Minas Gerais. Apreciado ancestralmente pelos habitantes da região, o pequi conquista paladares sofisticados no Brasil e já começa a fazer carreira fora do Brasil. O pequi do Norte de Minas está sendo vendido em centros cosmopolitas, como Nova Iorque, nos Estados Unidos.
De Japonvar, sairão este ano cerca de 15 toneladas de pequi; dois mil litros de óleo da fruta e 600 quilos de castanha-de-pequi beneficiados pela Cooperativa dos Pequenos Produtores Rurais e Catadores de Pequi de Japonvar (Cooperjap). Parte da produção deverá ser exportada. O restante será comercializado aqui mesmo, garantido renda média de R$ 400 para cada um dos 200 cooperados. ?Estamos melhorando de vida?, disse o produtor José Antônio Alves dos Santos, presidente da cooperativa.
Na safra, que acontece no período das chuvas (novembro a fevereiro), a coleta do pequi emprega cerca de cinco mil pessoas e movimenta quase um milhão de reais. É significativo para a economia de um município de pouco menos de nove mil habitantes em uma das regiões com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. Fora da safra, a comunidade coleta e beneficia outros frutos nativos: umbu, araticum, buriti, mangaba e caju.
Além do sucesso nas vendas, a história da Cooperjap tem contornos ambientalmente corretos. O pequi é coletado de tal modo que não compromete a sobrevivência das árvores. Os frutos são colhidos somente na época certa e as matas nativas são preservadas pela comunidade que se beneficia da biodiversidade local. É um círculo virtuoso.
O pequi é considerado pelos nutricionistas como um alimento funcional. De acordo com estudos da Embrapa, em cada 100 gramas de pequi, existem dois gramas de proteína, sete miligramas de caroteno e 79 miligramas de vitamina C. Devido às suas propriedades antioxidantes, o fruto começa a ser cobiçado também pela indústria de cosméticos.
Produtos ecossociais ao alcance dos consumidores
Os recursos para montar a Coperjap vieram do Programa Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS), que financia no Brasil atividades agroextrativistas sustentáveis com recursos do Fundo das Nações Unidas para o Meio Ambiente (GEF). O programa é implementado pela organização não-governamental Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
O PPP-ECOS apóia atualmente cerca de cem comunidades nas regiões de Cerrado. São extrativistas, indígenas, quilombolas e pequenos agricultores. As comunidades produzem frutas em conserva, desidratados, doces, licores, farinhas, polpas, castanhas, mel de abelhas nativas e artesanato.
Os produtos podem ser adquiridos por meio da Central do Cerrado, uma rede de apoiada pelo ISPN criada para estabelecer o elo entre a comunidade e os mercados interno e externo. A venda do pequi do Norte de Minas para os Estados Unidos é um exemplo do papel da rede na organização do comércio para as comunidades. O objetivo da rede é tornar os produtos acessíveis aos consumidores conscientes, que querem alimentos saudáveis e que são obtidos por meio de processos ambientalmente corretos e socialmente justos.
Jaime Gesisky
Telefone da Cooperjap: 38 3231 9310