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A falácia da autoridade
Antes de ler este texto, seria interessante que você lesse a seguinte postagem:
Dois pesos, duas medidas? O pensamento crítico precisa valer para todos.
Tenho recebido muitas mensagens com variantes da seguinte pergunta:
"O senhor diz que X não é verdade. Mas o doutor fulano diz que X é verdade; o que o senhor diz a respeito?"
O doutor fulano aqui não é uma pessoa específica. O doutor fulano é às vezes é um médico que deu uma entrevista no jornal ou na televisão; às vezes é uma nutricionista que falou em um programa sobre saúde; outras vezes é um profissional de saúde que faz sucesso na redes sociais ou no youtube. Tanto faz. A questão aqui é que o doutor fulano é tido pelo leitor/espectador/internauta como uma figura de AUTORIDADE.
O que é a falácia de autoridade? É a ideia de que um argumento é inerentemente válido por ter sido proferido por uma figura que consideramos uma autoridade.
Exemplos: professores, médicos, economistas, jornalistas, pessoas famosas.
Veja, é natural que você tenha fé no que um professor de história lhe diz sobre história, no que um médico lhe afirma sobre saúde, ou no que um economista lhe fala sobre o mercado de capitais. Mas a palavra chave aqui é FÉ. Sim, porque o fato de a pessoa ser uma AUTORIDADE não é o que confere confiabilidade às suas afirmações. É você que, admitindo a sua CRENÇA nas qualificações daquela pessoa, atribui confiabilidade à sua afirmação.
No passado, praticava-se a medicina baseada em eminência; hoje, pratica-se a medicina baseada em evidência. Não adiante ser um eminente professor; o que dá peso a seus argumentos é a qualidade de suas evidências - estamos no século 21, e não existe mais lugar para a falácia de autoridade. Dentre todas as falácias lógicas, esta é a que mais infantiliza quem a usa ("é verdade, pois mamãe disse que é!").
Em ciência, há que ter referencias bibliográficas aceitáveis a fim de sustentar afirmações. Este é um bom momento para reler as quatro postagens que introduzem o assunto - o que é uma referência bibliográfica aceitável:
- http://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica.html
- http://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_8.html
- http://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_12.html
- http://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_26.html
Ok, em tese então é fácil. Você não confia em argumentos de autoridade, e vai no PubMed.gov checar se a afirmação de determinada autoridade é baseada em ensaios clínicos randomizados. Mas, na prática, se você não é da área da saúde, não domina o inglês, e não estudou bioestatística e epidemiologia, isso não é uma alternativa muito viável. Como fazer então? Comece com o seguinte check list:
1) A "autoridade" em questão forneceu alguma referência bibliográfica aceitável? Caso contrário, é apenas uma opinião, e deve ser tomada como tal;
2) Se a autoridade forneceu alguma referência bibliográfica, e se você tiver lido as 4 postagens acima, já poderá de cara descartar algumas coisas: se o estudo for observacional, a pessoa não poderá usar linguagem que implique causa e efeito; se for em animais, deverá deixar isso bem claro. Especificamente se for em roedores, qualquer coisa referente a gordura na dieta é, em princípio, inválido (veja a quarta postagem acima).
3) Escolha alguém para filtrar sua informação. Sim, isso não é o ideal. Sim, isso não deixa de ser uma delegação de seu juízo crítico para terceiros. Mas, se você não tem tempo / paciência / qualificação para deslindar bioestatística e epidemiologia, siga autores que tenham o cuidado de:
a) Citar suas fontes bibliográficas (peer reviewed e indexadas);
b) Deixar claro quando os estudos são observacionais versus experimentais, em humanos ou em animais, e deixar claro as limitações em cada caso;
c) Refutar imediata e veementemente quaisquer noções que afrontem a aritmética, a física e a química básicas do enino fundamental e médio (ou seja, não dê ouvidos a pessoas que com pensamento mágico).
Vou dar exemplo de pessoas que eu sigo, que preenchem estes critérios:
1) http://www.marksdailyapple.com/
2) http://caloriesproper.com/
3) http://www.zoeharcombe.com/blog/
Mas o que o Mark Sisson, o Bill Lagakos e a Zoe Harcombe têm em comum? Sim, eles sabem muito, mas o importante é que tudo o que escrevem é baseado em evidência, os links dos estudos originais estão todos lá, em cada postagem, e não há abordagens místicas/pseudocientíficas ali. Quando algo é apenas especulativo, eles deixam CLARO a natureza especulativa da afirmação. Falar como se fosse fato sobre algo que carece de estudos com alto nível de evidência é ABSOLUTAMENTE INACEITÁVEL.
Se o leitor quiser fazer de mim alguém que cumpre esse papel de filtrar a literatura científica, fico lisonjeado. Mas é importante que fique claro: qualquer afirmação minha não é verdadeira porque fui em quem disse. A afirmação é apenas tão verdadeira quanto a referência bibliográfica que a acompanhar.
Ex-ganhadores de prêmio Nobel já disseram e defenderam grandes asneiras no passado.
Não importa QUEM disse algo. Importa apenas o nível de evidência empregado, ou seja, as referências bibliográficas dos estudos originais que embasam a afirmação.
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