Eu estava errado - nós deveríamos comer muita gordura
Comida Saudável

Eu estava errado - nós deveríamos comer muita gordura


Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Michael Mosley

Leite, queijo, manteiga, creme de leite - de fato, todas as gorduras saturadas - são ruins para você. Era o que eu acreditava desde os meus dias de estudante de medicina, quase 30 anos atrás.

Durante aquele tempo, eu garantia a amigos e família que gordura saturada iria entupir suas artérias tão certamente quanto banha entope um encanamento. Então, é claro, ela também faria com que engordassem.

Recentemente, entretanto, fui forçado a dar uma reviravolta. É hora de me desculpar por todos aqueles conselhos inúteis que fiz sobre a gordura.


Vá em frente: novos estudos mostram que as gorduras saturadas, 
encontradas na manteiga, não causam doença cardíaca
(N.T.: em toda foto que fala que manteiga não faz mal, por que insistem em colocar uma fatia de pão ? :-)


Novos estudos não apenas falharam em encontrar uma ligação convincente entre gordura saturada e doença cardíaca: eles também estilhaçaram outras crenças anti-gordura de longa data.

Agora temos evidência convincente de que dietas pobres em gordura raramente funcionam e que comer o tipo certo de gordura não é apenas bom para seu coração, mas pode também te ajudar a perder peso.

Então, por que a mudança repentina ? E o que está nos deixando gordos ?

As raízes da nossa confusão atual estão num artigo de autoria de um cientista americano chamado Ancel Keys em 1953. Ele estudava o aumento do problema de artérias entupidas.

Keys incluiu um gráfico simples comparando o consumo de gordura e as mortes por doença cardíaca em homens de seis diferentes países. Americanos, que comiam um monte de gordura, eram muito mais propensos a ter um infarto que os japoneses, que comiam pouca. Caso resolvido. Foi assim mesmo ?

Outros cientistas começaram a questionar o motivo de Keys se focar em apenas 6 países, quando ele tinha acesso a dados para 22. Se lugares como a França e a Alemanha fossem incluíndos, a ligação entre doença cardíaca e consumo de gordura tornava-se muito mais fraca. Esses eram, afinal de contas, países com alto consumo de gordura, mas taxas relativamente modestas de doença cardíaca.

Mudança de dieta: o Dr. Mosley agora come mais 
peixes gordos, iogurte grego e ovos


Na prática, como um renomado cientista britânico chamado John Yudkin apontou, havia uma ligação muito mais forte entre o consumo de açúcar e a doença cardíaca. O professor Yudkin argumentou que o açúcar estava por trás do aumento na doença cardíaca que devastava o ocidente. Ele também apontou para outra tendência perigosa que emergia no Reino Unido durante os anos 1950: a relação próxima entre o número de televisões sendo compradas e infartos fatais.

Comprar uma TV nos anos 50 era um sinal de que você tinha dinheiro, mas também significava que você podia passar muito mais tempo sentado. Essa pesquisa estava entre as primeiras a realçar os perigos de uma vida sedentária.

Mas os alertas de Yudkin sobre o açúcar foram denunciados por alguns colegas cientistas como "nada mais que fraude científica". Ele foi, como um de seus colegas descreveu, "colocado para escanteio".

Enquanto isso, a guerra à gordura gradualmente ganhou força, até chegar ao momento em que, quando eu entrei na escola de medicina nos anos 80, não havia menção aos trabalhos de Yudkin.

As pessoas descartavam seus laticínios e adotavam carboidratos adoçados e óleos vegetais.

Acontece que isso foi um erro. Para transformar óleo vegetal em margarina, os fabricantes usaram um processo chamado hidrogenação (gás em altas temperaturas injetado através do óleo), o que produz gorduras trans. Essas são as vilãs do mundo da gordura: boas gorduras tornadas em más.

Ao contrário das gorduras saturadas, há evidência clara de que gorduras trans danificam seu coração. Elas eram encontradas na maioria dos biscoitos e bolos vendidos em lojas, até serem removidas em 2007.

O que foi um pouco tarde para mim. Enquanto estudante, segui seriamente o conselho de que gorduras saturadas - enão as hidrogenadas - eram o inimigo. Eu era magro e fazia muito exercício, mas também comia manteiga e hamburgueres. Com um histórico familiar de doença cardíaca, derrames e um pai que tinha acabado de ser diagnosticado diabético, eu disse a mim mesmo que era hora de agir. Persuadi meu pai a seguir uma dieta pobre em gordura. Ele perdeu um pouco de peso, mas logo desistiu. 

Relutantemente, eu disse adeus à carne, mudei para leite desnatado e evitei iogurte com qualquer traço de gordura. Isso tornou a minha dieta muito mais monótona, mas ao menos eu estava mais saudável. Estava mesmo ? Bem, não. Eu mantive esse padrão pelas próximas décadas - e os resultados ? Engordei mais de 12kg, apesar do exercício regular. Meu colesterol ultrapassou de longe a faixa saudável e dois anos atrás, descobri que estava pré-diabético.

Enquanto eu não aparentava ser gordo, acumulava os quilos no pior lugar possível: no meu abdomen, cobrindo os órgãos internos.

A minha resposta foi exercitar-me mais, mas isso teve pouco efeito. Eu comia menos gordura, mas compensava com massas e batatas cheias de amido. O que eu não apreciava é a maneira com tais comidas agem no seu corpo. Uma batata cozida vai empurrar a sua glicemia para cima quase tão rápido quanto uma colher de açúcar, pois ela é rapidamente digerida.

Ironicamente, agora sabemos que se você comer aquela batata com manteiga, a gordura vai frear a absorção e o pico de açúcar no sangue será menos extremo.

Picos rápidos de glicose forçam o seu pâncreas a bombear insulina - o que faz a glicemia baixar, mas pode te deixar com fome novamente poucas horas depois.

Carboidratos também são menos saciantes que gorduras ou proteínas. Então você come mais e o peso se acumula.


De volta ao menu: ovos agora são celebrados por seu conteúdo de proteínas, 
enquanto a adição de manteiga às batatas pode evitar um pico de glicemia.


Ovos são um exemplo excelente de como entendemos tudo errado sobre as gorduras. Nos anos 80, nos contaram que eles eram bombas-relógio de colesterol, e nos orientaram a não comer mais que 1 por semana. Então eu abandonei os ovos e tentei persuadir a minha família a fazer o mesmo. Que erro foi aquele.

Um estudo do Jornal Britânico de Medicina de 2013 concluiu: "Consumo mais alto de ovos não está associado com risco aumentado de doença cardíaca ou derrame".

Então os ovos estão de volta, e as proteínas significam que você vai se sentir mais cheio por mais tempo.

Então, a gordura engorda mesmo ? Ela contem muito mais calorias que carboidratos ou proteínas, e a maneira mais fácil de perder peso é obviamente evitá-la. E ainda assim, dietas pobres em gordura raramente dão certo porque as pessoas não aderem a elas - pois ficam com muita fome.

Nos anos 50, o professor Hugh Sinclair da Universidade Oxford argumentou que deveríamos comer mais gordura, e não menos. Ele tinha estado no Canadá e ficara intrigado ao ver que os esquimós tinha uma dieta rica em gordura, e baixas taxas de doença cardíaca. Havia algo nos peixes gordurosos que os protegia ? Ele decidiu descobrir comendo nada além de focas, peixes gordos, moluscos e crustáceos.

Enquanto eu gravava o programa "Medical Mavericks" para a BBC, decidi repetir tal experimento. Felizmente, a carne de foca que tentamos importar foi barrada pela alfândega, então eu comi uma dieta feita basicamente de peixe. Sinclair praticou a dieta por 3 meses, eu consegui 1 mês.

Enquanto nessa dieta, Sinclair mediu quanto tempo o seu sangue levava para coagular, cortando-se uma vez por semana. O tempo aumentou de 3 minutos para incríveis 50. Para mim, o tempo dobrou.

Ainda que ele não tenha chegado a extremos perigosos, Sinclair mostrou que óleos de peixe reduzem a aderência das plaquetas no seu sangue e então o risco de formação de coágulos, que podem levar a infartos ou derrames.

Um exemplo mais recente do quão errados estivemos sobre as dietas low-fat foi o experimento "Look Ahead", que começou em 2001. Mais de 5000 diabéticos com sobrepeso foram postos em dieta pobre em gordura e encorajados a se exercitarem.

Após quase 10 anos o estudo foi interrompido. Aqueles em dieta low-fat tinham perdido menos que um grupo de controle, e não houve mudança significativa em infartos ou derrames.

Um estudo ano passado colocou mais um prego no caixão das dietas pobres em gordura. Um grupo de 7500 homens e mulheres foram aleatoriamente alocados em uma dieta low-fat ou uma dieta mediterrânea muito mais rica em gordura. Nesta, juntamente com as frutas, legumes, carnes e peixes, eles comeriam também castanhas, azeite e tomariam um copo de vinho com as refeições.

Novamente, o teste foi interrompido cedo. Mas desta vez foi porque aqueles em dieta mediterrânea estavam indo muito melhor que os da dieta low-fat, com uma queda de 30% nos infartos e derrames.

Então algumas gorduras são boas para nós, mas certamente as gorduras saturadas são ruins ?

Mesmo isso foi minado por um estudo financiado pela Fundação Britânica de Cardiologia e publicado este ano. Baseados em 72 estudos prévios, os pesquisadores não encontraram evidência de que gorduras saturadas causam doença cardíaca.

Isso não é uma permissão para beber creme de leite direto da garrafa, porque mesmo que gorduras saturadas não sejam diretamente danosas para o coração, calorias demais serão.

Pessoalmente, eu tento não ter biscoitos e bolos em nossa casa, porque sei que não resisto a eles. Mas eu voltei à manteiga, iogurte grego e leite semi-desnatado. Eu como mais peixes gordurosos, ovos e um bife de hamburguer de vez em quando..

Após todos esses anos acreditando que elas eram o inimigo, as gorduras saturadas tem gosto melhor que nunca.

Dr Michael Mosley é o autor de "The fast diet". Para mais informações, visite thefastdiet.co.uk



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