Homens das cavernas comiam hamburgueres de US$12: uma perspectiva histórica do preço dos alimentos
Comida Saudável

Homens das cavernas comiam hamburgueres de US$12: uma perspectiva histórica do preço dos alimentos


Preço (em US$) da dúzia de ovos ao longo do tempo
Traduzido por Hilton Sousa.

O artigo original em inglês está aqui.

Um dos maiores desafios encarados atualmente pelas famílias de fazendeiros criadores de gado alimentado com pasto é a expectativa americana de comida a baixo preço. Enquanto cultura, estamos acostumados a gastar apenas 6,8% da nossa renda com a nutrição diária [1] - o menor valor em toda a história humana. Ao mesmo tempo, problemas de saúde e obesidade crescem a cada ano. Essas duas realidades criam uma correlação chamativa entre bem-estar e investimento em alimentação. Estudando as tendências americanas no último século mostra-se uma ligação entre comida barata e saúde precária.

Enquanto a comparação do preço histórico de refeições pode ser traiçoeira devido às taxas de câmbio, inflação e mesmo disponibilidade de moeda, encontrar uma unidade de valor pode ajudar nossa compreensão. Pelo bem da discussão, vamos usar o valor do trabalho como tal. Mediremos o valor da comida em horas trabalhadas e preços reais - ajustados pela inflação. Apesar de essa comparação não ser perfeita, ela pode nos ajudar a entender o preço histórico de comidas no contexto de hoje.

Por exemplo, se os trabalhadores de hoje ganham cerca de US$15,59 por hora (média de renda per capita anual americana de US$27.915,00 dividida pela média americana de horas anuais exercidas por trabalhador de 1.790) e gastam uma média de US$1,75 em cada refeição (baseado no fato de que americanos agora gastam apenas 6,8% de sua renda em comida de acordo com um estudo da Washington State University), nós podemos dizer que gastamos cerca de de 7 minutos trabalhando para cada refeição.

Sobre aquele hamburguer de US$12


Antes de entramos na análise real do preço de comidas no último século, eu acho que seria engraçado dar uma olhada no Grok para ver quanto ele "gastava" em comida. Me perdoe se isso parece um pouco idiota. É apenas a minha liberdade criativa tentando de alguma forma mostrar quão duro Grok tinha que trabalhar por sua comida.

Os números vão variar, mas é seguro assumir que Grok caçava e colhia no mínimo 3 horas por dia, por um mínimo de 5 dias na semana [2]. É uma estimativa extremamente convervadora de 15 horas de trabalho para pagar por 21 refeições. Isso traduz-se em quase 45 minutos trabalhados por refeição, ao invés dos 7 minutos mencionados acima. Se convertermos esses 45 minutos que Grok gastou "no serviço" caçando e colhendo comida para cada refeição em salários modernos de US$15,59/hora, podemos dizer que Grog gastava cerca de US$11,69 em seu "hamburguer com fritas" ao invés dos US$1,75 que nós gastamos hoje pelo nosso.

Sim, eu sei que Grok não comia três refeições por dia e que ele não pode não ter comigo hamburguer com catchup. Mas continue comigo, senhor antropólogo. Esses números são imperfeitos, mas o contraste brutal entre o gasto atual com comida e o gasto do Grok é inegável.

“Ok”, diz você, “Então o Grok gastava muito com comida. Eu gasto menos porque eu não sou um caçador-coletor. Agricultura deixa as coisas mais baratas”. Óbvio. Mas não paremos com Grok. Simplemsente considere o princípio fundamental de que quando se trata de comida, você quase sempre recebe aquilo pelo que paga. Isso é verdade mesmo em sociedades agriculturais. Vamos dar uma olhada então em tempos mais recentes, pelo bem da comparação.

O Século XX e a Comida Industrial


Considere o americano do início do século XX. Em 1913, feedlots (N.T.: fazendas de confinamento de gado altamente industrializadas) não existiam, então o gado comia pasto e a composição da gordura da carne era mais balanceada e rica em Ômega-3 e CLA. Margarinas não tinham inundando o mercado ainda, então todo mundo tinha banha em suas despensas. Se você comesse galinha, é porque a sua mãe teria cozinhado sua poedeira que estava sempre ciscando perto da porta da cozinha e comendo insetos e restos de comida. Os ingredientes das linguiças eram tão poucos que o açougueiro poderia dizer a receita de cor sem errar uma palavra. Colheitadeiras de milho gigantescas, guiadas por GPS e subsídios governamentais não existiam ainda, então grãos eram caros e você geralmente não alimentava animais com eles. Fazendeiros plantavam legumes e verduras da estação regionalmente, e não usavam agrotóxicos como Roundup e amônia anidra. Mãos contratadas colhiam os tomates quando estavam maduros porque a tecnologia de uso de gás usada para deixá-los vermelhos hoje em dia, ainda não estava disponível. Comidas pré-prontas, com embalagens rotuladas com nomes, eram desconhecidas em 1913. Estritamente falando, em 1913 os supermercados não existiam.

Mas aqui vai o choque: essas coisas não eram tão baratas quanto você pensa. Uma dúzia de ovos em 1913 custava cerca de US$8,73 (em valores de 2013), versus os US$1,93 que custa hoje no Walmart. [3]. Mudanças no preço variam dramaticamente, mas na média o preço da comida caiu muito.

Fig1
Decréscimo de 82% nas horas trabalhadas para comprar no supermercado.

Por que nossa comida é tão barata?


Dados do Bureau of Labor Statistics (Departamento de Estatísticas do Trabalho) mostram que a média do preço da comida caiu 82% no último século. O que poderia ter causado uma mudança tão dramática no preço da comida ? Para resumir, o preço da comida caiu porque a composição da nossa comida foi comprometida pela industrialização do nosso sistema de produção alimentícia.

Presunto, cujo preço médio (em dólares de 2013) era US$13/kg cem anos atrás, hoje custa em média apenas US$5,97/kg [3]. O fato de que atualmente pagamos menos da metade do preço que nossos bisavós pagavam por "presunto" não parece sugerir que possivelmente não estamos comendo o que eles comiam ? Dando uma olhada mais de perto nesse exemplo, não é difícil ver que a própria definição de "presunto" de fato mudou significativamente desde o início dos 1900. Milho com agrotóxico geneticamente embutido e soja com ractopamina são atualmente dados para os porcos dos quais o presunto é feito. Prédios gigantescos com 2.400 cabeças em confinamento abrigam os porcos antes de serem levados para abatedouros centralizados que os matam aos milhares. Receitas de presunto agora incluem água, fosfatos de sódio, carragena, eritorbato de sódio e nitrito de sódio. Eu sou capaz de apostar que a sua bisavó iria notar uma diferença significativa entre o "presunto" de 2013 e os presuntos que ela comia e que eram curados por um vizinho confiável com sal e açúcar mascavo. Colocando de maneira simples, as mudanças no sistema alimentício americano que permitiram os preços cair até 82% no último século tem, como consequência não-intencional, a alteração da composição, a redução da qualidade e da salutaridade da nossa comida. Vamos dar um passeio pelos últimos 100 anos e ver como essa mudança gradual aconteceu.

LardConsumption
O efeito da margarina barata no consumo de banha nos EUA. Banha é atualmente reconhecida como uma das gorduras mais saudáveis para consumo humano, ultrapassando mesmo o azeite de oliva em termos de conteúdo de gorduras saudáveis.
A partir dos anos 30 e 40, a mecanização crescente da produção de comida e o avanço da ciência alimentar começou a alterar o panorama alimentar da América. Na virada do século XX um processo foi desenvolvido para hidrogenação de óleos líquidos, e por volta dos anos 40 a margarina tinha tomado o lugar da manteiga e da banha em muitos lares americanos. Fertilizantes químicos tornaram-se populares, e em conjunto com as colheitadeiras mecanizadas, aumentaram a produção das colheitas e baixaram o preço dos grãos - que eventualmente abriram caminho para o modelo de produção de carne em feedlots que temos hoje.

A assinatura do do Ato Federal de Apoio às Auto-estradas em 1956 possibilitou a construção do sistema interestadual de auto-estradas, que por sua vez possibilitou a distribuição nacional de comida. Isso criou uma necessidade para mais avanços em tecnologia de alimentos, já que pela primeira vez os americanos estavam comprando quantidades enormes de comida vinda de milhares de milhas de distância. Preservantes eram necessários para manter as comidas com um sabor tal como se tivessem vindo da vizinhança próxima. Os mercados nacionais justificavam os investimentos assombrosos em equipamento de processamento de comida, agora que as companhias de alimentos podiam operar em uma escala muito maior. À medida que a cadeia de suprimentos ficou maior, os consumidores perderam a habilidade direta de manter seus fazendeiros, açougueiros e padeiros no negócio. Transparência na produção agora era uma coisa do passado.


Competição feroz entre companhias de alimentos surgiram, o que levou a guerras de preços feitas com medidas de corte de custos que geralmente implicaram em ingredientes de menor qualidade. Estes ingredientes mais baratos não tinham o gosto da "coisa de verdade", então os engenheiros de alimentos produziram aditivos, corantes e sabores artificiais para compensar pela diferença no sabor e na aparência. As companhias descobriram que a vida útil dos produtos e a margem de lucros podiam ser aumentadas ao adicionar compostos químicos como BHT ao empacotamento. O processamento industrial de comida precisou de aditivos tais como dióxido de silicio, adicionado aos temperos para mantê-los fluindo na linha de produção. O USDA (Departamento de Agricultura Norte Americano) fez sua parte, permitindo que esses aditivos fossem tratados como "não-ingredientes", e portanto não precisando ser listado nos rótulos. Produtos de carne passaram a ser injetados com água para reduzir o preço por quilograma, e estabilizantes foram adicionados para maquiar a perda de textura.

Eventualmente, a terceirização internacional de comida tornou-se a norma porque frutas do México, peixe da China e mesmo gado alimentado com pasto da Tasmânia eram mais baratos. Com esse desenvolvimento, ainda menos atribuição de responsabilidade era possível e preocupações sobre a segurança dos alimentos tornaram-se a norma. Americanos votaram com seus garfos por comida mais barata a qualquer custo, e os preços continuaram a cair enquanto as taxas de obesidade, doenças cardíacas, câncer e hipertensão explodiram.

Você leva aquilo pelo que paga

E é aqui que nos encontramos hoje. Os efeitos de nosso sistema alimentício moderno toca praticamente cada parte desse país, da ecologia à economia. Mas para ser breve, nós levamos exatamente aquilo pelo qual pagamos: comida barata que não era boa para nós. Comida que não era boa para nossos rios, nossos campos, nossos fazendeiros ou nossos corpos. Mas essa nova "comida" era barata. Muito, muito barata.

Mas há alternativas. Conforme mencionei, americanos gastam cerca de 6,8% de sua renda com comida. Isso é uma anomalia tanto de perspectivas históricas quanto geográficas. Em Portugal, a maioria das pessoas gasta o dobro disso em comida. Na França, esse valor está em quase 13,5%. Tanto no Japão quanto na Itália, é mais de 14,4%. E esses países são, em muitos outros aspectos, bastante comparáveis aos EUA [1]. Eles apenas priorizam comer boa comida mais do que nós, e essa escolha é refletida diretamente em menores taxas de obesidade [4].

Você pode dizer que você não pode comprar aqueles ovos orgânicos por US$7,50 a dúzia no mercado de produtores local. Eu sou capaz de apostar que com as escolhas do seu estilo de vida atual, isso pode ser verdade. Para algumas pessoas, contar os trocados para comer três refeições sólidas de carne, ovos e vegetais de qualquer tipo é muito difícil, e além do mais é muito melhor comer carnes, ovos e vegetais de baixa qualidade... Mas para a maioria de vocês lendo isso, há escolhas que você pode fazer em outras áreas da sua vida que vão fazer aqueles deliciosos ovos orgânicos de gema alaranjada se tornarem possíveis. Você realmente precisa de 2 iPads ? Você vai ficar melhor viajando em outras férias esse ano, ou ficando em casa gastando aqueles 5% extras do seu trabalho em comida que te faz sentir bem ? Nós falamos sobre o modo de vida ancestral ao invés da dieta ancestral. Estilos de vida são compostos de uma série de escolhas que vão muito além de não comer sucrilhos açucarados no café da manhã. Eu posso te garantir que gado criado com pasto, por fazendeiros americanos que estão lutando para sobreviver no mercado moderno vão custar muito mais caro do qualquer opção que você tenha. E ela vale cada centavo de 2013.

Depende de você. Você recebe aquilo pelo que paga. Conforme um fazendeiro da Tendergrass, Joel Salatin, disse: “Você já viu o preço do câncer ultimamente ?” Joel pode ser brusco, mas é uma observação muito boa. No longo prazo, comida barata pode não ser tão barata quanto pensamos.

David Maren é um dos fazendeiros fundadores das Fazendas Tendergrass, uma loja online de carne alimentada com pasto que torna fácil para você apoiar famílias de fazendeiros - um pedido por vez. Ele vive com sua esposa, Ann, e filhas Ruby Joy e Anna Claire nas Montanhas Blue Ridge, estado da Virginia.



[1] De acordo com dados desse estudo da Washington State University 

[2] Alguns dariam estimativas mais alltas. Esta estimativa veio do Robb Wolf.

[3] O Bureau of Labor Statistics mantém registros dos preços de alimentos nos EUA ao longo do tempo em seu Índice de Preços ao Consumidor. Para calcular preços reais, eu usei o calculador de inflação deles.

[4] A CIA tem as estatísticas de obesidade mundiais aqui.





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