Comida Saudável
O mito ácido-alcalino: Parte 1
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
por Chris Kresser
Muitos de vocês provavelmente já ouviram da "dieta alcalina". Há algumas versões diferentes da teoria ácido-alcalino circulando pela internet, mas a afirmação básica é que as comidas que comemos deixam para trás "cinzas" depois de serem metabolizadas, e estas cinzas podem ser ácidas ou alcalinas (alcalino significando "mais básico na escala de pH").
De acordo com a teoria, é interessante para nós garantir que comamos mais comidas alcalinas que ácidas, de maneira que terminemos com uma maior carga alcalina em nosso corpo. Isso supostamente vai nos proteger das doenças da civilização moderna, na qual o "balanço total" é ácido e nos deixa vulneráveis a tudo - de câncer a osteoporose. Para garantir que permaneçamos alcalinos, recomenda-se manter o controle do pH da saliva e da urina usando fitas de medição de pH.
Nesta série em duas partes, vou endereçar as principais afirmativas feitas pelos proponentes da dieta alcalina, e espero esclarecer algumas confusões sobre o que tudo isso significa para a sua saúde.
Comer uma dieta alcalina pode deixar os seus ossos (e você) mais saudáveis ?
Alimentos podem influenciar o pH da nossa urina
Antes de começar a desmantelar esta teoria, quero deixar claras algumas coisas nas quais ela acerta. Primeiro, comidas deixam sim, resíduos ácidos ou alcalinos. O tipo de "cinza" é determinado pelo conteúdo relativo de componentes acidificantes tais como fosfato e enxofre, e alcalinizantes como cálcio, magnésio e potássio (1, 2). Em geral, produtos animais e grãos são formadores de ácidos, enquanto frutas, legumes e verduras são formadores de alcalinos. Gorduras puras, açúcares e amidos são neutros, porque não contém proteína, enxofre e minerais.
É também verdade que as comidas que comemos modificam o pH da nossa urina (3, 4). Se você tomar um suco verde como café da manhã, por exemplo, a sua urina algumas horas depois vai provavelmente ser mais alcalina do que a de alguém que comeu bacon com ovos. Como observação paralela, também é muito fácil medir o pH da urina, e eu acho que esta é uma das grandes atrações da dieta alcalina. Qualquer um pode provavelmente concordar que é satisfatório ver melhorias concretas em marcadores de saúde dependendo da sua dieta, e o teste de pH dá às pesssoas a gratificação instantânea que desejam. Entretanto, como você vai ver mais abaixo, o pH da urina não é um bom indicador do pH geral do sangue, nem é um bom indicador de saúde em geral.
Comidas não influenciam o pH do nosso sangue
Proponentes da dieta alcalina já propuseram algumas teorias diferentes sobre como uma dieta ácida danifica a nossa saúde. A afirmação mais ridícula é que podemos alterar o pH do nosso sangue ao mudar as comidas que comemos, e que sangue acidificado causa doenças enquanto sangue alcalinizado as previne. Isso não é verdade. O corpo regula com precisão o pH do sangue e do fluido extracelular, e não conseguimos alterar o pH sanguíneo alterando a dieta (5, 6). Altas doses de bicarbonato de sódio pode aumentar temporariamente o pH do sangue, mas não sem causar sintomas desconfortáveis no trato gastrointestinal (7, 8). E há certamente circunstâncias em que o sangue fica mais ácido do que deveria, e isso tem sérias consequências de saúde. Entretanto, este estado de acidose é causado por condições patológicas tais como insuficiência renal crônica, e não se você escolhe comer uma salada ou um sanduíche. Em outras palavras, independente do que você come ou de qual é o pH da sua urina, você pode ficar confiante de que o pH do seu sangue está flutuando perto de confortáveis 7.4.
Uma afirmação mais comedida foi proposta especificamente no que diz respeito à saúde óssea, e esta hipótese é abordada razoavelmente com profundidade na literatura científica. Ela supõe que para manter o pH sanguíneo constante, o corpo remove minerais dos ossos para neutralizar quaisquer excessos ácidos que sejam produzidos pela dieta. Por conseguinte, dietas formadoras de ácidos (como a dieta ocidental típica) podem causar desmineralização óssea e osteoporose. Esta hipótese, frequentemente chamada de "hipótese da osteoporose por resíduo ácido" é o que vou discutir pelo resto do artigo. Vou endereçar outras das afirmações sobre saúde na parte 2.
Os rins - e não os ossos - regulam o pH sanguíneo
Embora mais razoável que a primeira afirmação, a hipótese do resíduo ácido parece ignorar completamente o papel vital que os rins desempenham na regulação do pH corporal. Os rins são bem equipados para lidar com o "resíduo ácido". Quando digerimos coisas como proteínas, os ácidos produzidos são rapidamente neutralizados pelos íons bicarbonato no sangue (7). Esta reação produz dióxido de carbono, que é exalado pelos pulmões, e sais que são excretados pelos rins. Durante o processo de excreção, os rins produzem "novos" íons bicarbonato, que são retornados à corrente sanguínea para repor os que foram usados inicialmente para neutralizar o ácido. Isso cria um ciclo sustentável no qual o corpo é capaz de manter o pH do sangue, sem qualquer envolvimento dos ossos.
Então, a nossa compreensão da fisiologia ácido-base não suporta a teoria de que dietas formadoras de ácidos causem perda de minerais ósseos e osteoporose. Mas só pelo bem da argumentação, digamos que o nosso sistema renal não possa lidar com a carga ácida da dieta moderna. Se os ossos fossem usados para neutralizar este excesso de ácido, poderíamos esperar ver evidências disso acontecendo em estudos clínicos. Infelizmente, não é o caso.
Estudos clínicos não suportam a hipótese da osteoporose por resíduo ácido
À primeira vista, alguns dos estudos podem parecer convincentes, porque dietas mais ricas em ácidos frequentemente aumentam a excreção de cálcio na urina. Alguns pesquisadores assumiram que este cálcio extra vinha dos ossos (8). Entretanto, quando o balanço de cálcio (ingestão menos excreção) foi medido, os pesquisadores descobriram que dietas formadoras de ácidos não tem efeito negativo no metabolismo de cálcio (9). Alguns estudos descobrirram que suplementar com sais de potássio (com o intuito de neutralizar o excesso ácido) tinham efeitos benéficos nos marcadores de saúde óssea, o que tenderia a suportar a hipótese do resíduo ácido. Entretanto, estes resultados só foram observados nas primeiras semanas de suplementação, e estudos de longo prazo não mostraram quaisquer benefícios à saúde óssea vindos destes sais alcalinizantes (10).
Finalmente, ainda que a hipótese afirme que ingestões mais altas de proteína e fosfato sejam acidificantes e deletérias à saúde óssea, múltiplos estudos já mostraram que aumentar a ingestão de proteína ou de fosfato tem efeitos positivos no metabolismo do cálcio e em marcadores de saúde óssea (11, 12). Sumarizando a evidência clínica, duas metanálises diferentes e um artigo de revisão concluíram que estudos controlados randomizados não suportam a hipótese de que dietas acidificantes causem perda de minerais ósseos e osteoporose (13, 14, 15).
Então, parece que nem a fisiologia e nem estudos clínicos suportam a hipótese da osteoporose por resíduo ácido. Mas novamente, só pelo bem da discussão, vamos supor que estes estudos são imperfeitos (o que eles são, é claro; nenhuma ciência é perfeita!), e que então não podemos confiar em suas conclusões. Se a hipótese fosse verdade, esperaríamos ver uma associação entre dietas formadoras de ácido e osteoporose em estudos observacionais. Ainda assim, não é o caso.
Estudos observacionais não suportam a hipótese da osteoporose por resíduo ácido
Estudos observacionais não encontraram uma correlação entre a carga ácida dietária e densidade óssea mineral (BMD) ou risco de fratura, e nem encontraram correlação entre o pH da urina e o BMD ou risco de fratura (16, 17, 18). Além disso, ingestões mais altas de proteína estão correlacionadas com melhor saúde óssea em múltiplos estudos, ainda que dietas ricas em proteína sejam geralmente formadoras de ácidos (19). Na prática, proteína animal em particular (a mais formadora de ácidos de todas) foi associada com melhor saúde óssea (20,21). Pense nisso! Um estudo incluído em uma meta-análise recente encontrou uma associação entre ingestão mais rica de proteínas e maior risco de fraturas (22), mas comparado aos numerosos estudos mais recentes mostrando o oposto, esta evidência não é muito forte. No geral, a hipótese da osteoporose por resíduo ácido não é suportada pela fisiologia, estudos clínicos e dados observacionais.
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