Come-se volta de Acrelândia
Comida Saudável

Come-se volta de Acrelândia




Continuando o último post.
Voltei de Acrelândia na sexta-feria à noite e encontrei no aeroporto um amigo que brincou dizendo que para o Acre só mesmo a trabalho, como foi meu caso. De verdade, confesso que estou louca pra voltar e se for para passear, melhor ainda. Tanta coisa ainda deixei de conhecer. E isto não me cansa.

Como sempre, a mala veio cheia, tão cheia que usei parte do direito de bagagem da Bárbara: castanhas do Brasil, doces de cupuaçu, coador à moda do seringueiro (batismo meu), folhas de sororoca e sororoquinha, farinha de tapioca dura como sagu, para mingau, farinha de mandioca de Cruzeiro do Sul, biscoitos Miragina, pés de moleque (bolo de massa puba com castanha na palha da bananeira - só desta iguaria, cerca de 8 quilos que vou dividir com quem for ver a aula de invólucros no Paladar, sábado) e até um croatá. No mais, boas lembranças.

A recente amiga Bárbara veio junto, mas já estou com saudade também dos amigos que ficam mais uma semana na casa, Lúcia, Pablo, Miluska, as crianças.  A segunda semana foi bastante animada embora de muito trabalho. Chegou o amigo Marcelo (tratado com mais respeito, poderemos chamá-lo de professor Marcelo Urbano, afinal é professor titular no departamento de Parasitologia do ICB-USP e especialista em doenças tropicais - estudou medicina com o Marcos, dividiram apartamento no Crusp) com as crianças Matias e Tomás, que deixaram a casa muito mais alegre, e mais três professores (Ariel Mariano e Alejandro Miguel do ICB e Márcia Castro, de Harvard). Os três ficaram hospedados numa pousada bem perto, mas jantávamos sempre juntos numa mesa grande formada com duas menores, forrada com toalha de plástico. Às vezes tomávamos juntos também o café.

Por duas vezes fiz baixaria para todos. Não, não é o que você está pensando. Trata-se do prato de cuscuz com carne moída e ovo frito que imitei daquele que vi no Mercado de Rio Branco. Um clássico por lá, bem substancioso. Tínhamos uma cozinheira, Maria, que cozinha muito bem, de modo que não precisávamos nos preocupar com o almoço. Mas no café da manhã e jantar era sempre um improviso.

Eu, fazendo pão. Foto da Lúcia
Churrasquinho do Snikão
Levei meu fermento e fiz pão várias vezes, inclusive um de banana da terra (banana comprida, como é chamada por lá), com castanhas, para a oficina com as merendeiras. Também fiz tapioca, panquecas, macarrão com linguiça. Tudo meio improvisado, mas deu certo, ninguém passou aperto. Ou ainda comíamos um churrasquinho com mandioca e farinha no Skinão, onde todo vinagrete tem repolho. Aliás, vinagrete em Acrelândia leva repolho e depois falo de outras particularidades como o quibe de arroz, as saltenhas ou o charuto gigante de couve.  Só devo lembrar que a cidade fica mais perto da Bolívia (28 km da fronteira) que de Rio Branco, a capital do Acre, que está a cento e pouco quilômetros. E que a cidade vive um momento político delicado, afinal o prefeito e sua mãe estão presos, acusados de serem mandantes no assassinato de um vereador.  Como me disse um senhor ao me ver fotografar fachadas de bares, neste mundo há gente de tudo quanto é jeito. E ali,  mais ainda, já que a população é formada com famílias de toda parte do Brasil, de índios morenos a gaúchos de chimarrão.  

O mesmo avião que nos trouxe para São Paulo levou daqui para lá mais três pesquisadoras: duas de Harvard e a Professora Marly Cardoso, da nutrição USP,  minha amiga, mulher do Marcelo,  mãe das crianças, coordenadora do projeto no qual me inseri. Duas linhas de pesquisa em Acrelândia, em saúde e nutrição, partem daquela casa comprada pelo casal com recursos próprios e que abriga pesquisadores sempre que necessário e sem frescuras. Um grande feito.

Estava apreensiva com a situação dormir-em-beliche num quarto quatro por cinco cheio, mas foi tranquilo e divertido. Mesmo quando podia ficar na mesa da varanda trabalhando sossegada no lap top e mesmo não gostando de futebol, preferia digitar ajoelhada no chão só pra ficar junto daquele amontoadinho de gente vendo o jogo - nosso quarto era o único com televisão e as crianças não perdiam uma partida (assim como a Bárbara e o Pablo). A Miluska, que ficou no mesmo quarto,  é uma bióloga peruana que também trabalha com doenças tropicais, mas na área laboratorial,  e chegou na segunda semana com os professores. Foi com ela que aprendi que sororoca é a mesma coisa que hoja de bijau, usada no peru para embalar peixes e outros pratos, como fazemos com a folha de bananeira.  Assunto para a aula no Paladar.

Lúcia, Pablo e Bárbara
Na primeira semana passei os dias sob sol forte andando por toda a cidade com a Lúcia e com a Bárbara que tinham que preencher questionários sobre pontos de venda, e com o Pablo que comandava o GPS e também ajudava na pesquisa. Isto foi importante para conhecer a gente e a comida. Fui vendo o que tinha de comer nas vendas  e nos quintais. E fui assim construindo minhas oficinas, baseadas no que encontrei por lá de comidas e de gente com suas histórias que me cativa com facilidade com a generosidade e simpatia, como  a dona Diná e o Seu Luiz, a Rosângela, a Luli, a Raimunda, a dona Ivone, a menina Elaine e a pequena Ingrid que tem medo de malamem (e livrai-nos do malamem, conhece?).


No domingo passado tivemos a agradável visita surpresa da leitora Patrycia Coelho e seu marido, Marcos Afonso, diretor da Biblioteca da Floresta, em Rio Branco.  Eles são de Rio Branco, tocam o blog Varal de Ideias e apareceram lá,  com bolinhos de água de laranjeira com frutas nas mãos,  depois que respondi a um comentário seu dando as coordenadas. Jamais poderia imaginar que ela apareceria, por isto a alegria da surpresa. Ganhei deles ainda um dvd sobre o Acre.

Os outros dias foram de preparo, testes para as oficinas, coleta urbana de tamarindos, carambolas, jaca verde, mamão, manga, jambo e tudo o que poderia inspirar algum prato para as oficinas com as mulheres, com as crianças, com as mulheres merendeiras. Ainda tive tempo de ir a uma colônia (sítio) ver a Raimunda, uma amazonense,  preparar minha encomenda de pé-de-moleque, que o Matias chamava de pé-de-chulé.

Seu Luiz e dona Diná colhendo folhas de sororoca
Outra amazonense, dona Diná, me ensinou a usar a folha de sororoca e sororoquinha. Com o marido Luíz e seu facão partimos quinta à tarde, já com o céu vermelho,  para o ramal (estrada de terra que leva às colônias) do café para colher as folhas na beira de um córrego seco.  Foi lá também que peguei um croatá, ajeitado pelo seu Luiz.  Mas vou falando disto tudo aos poucos,  a menos que outros assuntos me atropelem, afinal estou na semana pré-preparo para as aulas do Paladar.    

Ah, o argentino Ariel também tem um blog bem bacana escrito em espanhol. Já postou lá algumas fotos da viagem. É o www.blogariel1.blogspot.com . O Marcelo também tem o www.marcelo-penalama.blogspot.com. Lá você pode ver muitas fotos da região e saber mais sobre seu trabalho sobre malária e outras doenças tropicais naquela região. 

Elaine cuida como mãe das irmãs gêmeas Clara e Bia




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