Comida local ou Capiçoba na Lapa
Comida Saudável

Comida local ou Capiçoba na Lapa




Dispersão inteligente: na foto do meio, o exato momento que uma florzinha de seda se desprende para voar e povoar a terra de capiçobas. Insetos também gostam das folhas arroxeadas
Nira, que trabalhou de faxineira aqui em casa durante uns 3 anos, sempre me falava daquela tal capiçoba que ela comia no interior do Paraná - refogadinha, com arroz, com angu. E continuava comendo em Santana do Paranaíba, onde mora e tinha no quintal a planta.
Como eu nunca tinha visto esta planta no sítio e nunca tinha ouvido falar dela, apesar de meus pais também terem vivido no Paraná, pedia sempre que Nira conferisse nos matinhos e praças daqui de perto para ver se tinha capiçoba. Nada, nunca teve. Só serralha e serralhinha, caruru, dente-de-leão e beldroega.
Fomos ao livro do Harry Lorenzi (Plantas Medicinais no Brasil) para eu ver a cara da planta, folheamos o livro todo vendo fotos e o único sinônimo que aparecia para capiçoba era a Polygonum hydropiperoides ou erva-de-bicho. E, definitivamente, não era esta a ervinha da Nira. Veja sobre a planta, lá embaixo.
Como ela só vinha à minha casa quinzenalmente, sempre acabava esquecendo de me trazer um exemplar ou a semente, que fosse. Até que, depois de muito prometer, trouxe um pouco - cozinhamos, comemos e plantamos no quintal. Rapidamente a planta cresceu, cresceu. Eu ia tirando as folhinhas e comendo na salada ou juntando ao arroz, ao refogado, à sopa. Mas deixava crescer. Até que vieram as flores roxinhas que se abriam em bolinhas de fios de seda voadores que se iam com o vento.
Na estação chuvosa seguinte, aqui e ali, despontaram capiçobinhas arroxeadas. Aos poucos, fui notando nas calçadas próximas a capiçoba lado a lado com as beldroegas e dentes-de-leão. Pelo menos num raio de 200 metros da minha casa já são dezenas de pés. Ainda não chegaram às praças, um pouco mais longe, mas, por enquanto, estão nascendo em qualquer fresta de calçada da vizinhança. Com esta chuvarada, elas iam bonitas por aí e fui deixando crescer (as dos vizinhos!) para ter um maço grande e vistoso que se juntaria às folhas das minhas plantas que também crescem selvagem aqui no quintal, junto com tanchagem e matos diversos.
Antes e depois do ataque da lagartona
No começo da semana, porém, quando resolvi fazer uma catança pela redondeza, pelo menos três antes gordas calçadas agora estavam asseadamente carecas prenunciando o espírito do Natal que pede gavetas arrumadas, paredes pintadas, chão sem matos e graminhas aparadas. Sorte que eu tinha aqui no quintal, que nasceu espontaneamente no vaso do limão kafir, um pé vistoso e comprido. E a lagartona aqui fez uma rapa. Mas deixei as flores para povoar a Lapa e fornecer mais comidia local, quem sabe ainda nesta estação das trovoadas.
O quintal matagal está tomado de capiçoba e tanchagem
A planta
Segundo o livro "As Ervas Comestíveis", de Cida Zurlo e Mitzi Brandão, ela é uma Erechtites hieracifolia. Da família das Asteráceas, é parente do dente-de-leão, da losna ou absinto, da serralha e serralhinha, da margarida, da calêndula, da camomila, da alcachofra e de todas estas plantas inofensivas com flores em capítulos, caracterítica importante nesta família.
De verdade, não são flores comuns. São inflorescências - o capítulo é um agrupamento de flores pequenas que se assentam num mesmo receptáculo, normalmente plano. As flores das bordas podem simular pétalas, com um parte prolongada e são chamadas de lígulas (as pétalas da margarida são lígulas). E tudo isto é rodeado por brácteas que são folhas modificadas.
Complicado? Basta lembrar que é como aquelas bolinhas que soprávamos quando criança. E a função destas flores é esta mesma, para facilitar a dispersão da espécie - elas se soltam do receptáculo quando os frutos estão maduros e os leva por aí ao sabor do vento, até que a calmaria o fixe numa terrinha úmida e a semente germine.
Desde a América do Norte até a América do Sul a capiçoba pode ser encontrada como erva daninha, que nasce sem ser semeada. Não sei se há mundo afora cultivo comercial. Por aqui, nunca vi.

Na panela
Parece que em Minas Gerais é mais comum - todas estas folhinhas que podem ser cozidas e comidas com angu. Eu faço refogada no azeite ou cozida com um pouco de alho e bacon fritos e encharcados com um pouco de água e sal. Este, que comi com canjiquinha mole e barriga de porco fiz dete jeito - só que sem bacon. Mais ou menos como o jiquiri. Costumo usar como a serralha, por exemplo. É só arrancar as folhas, lavar e mandar pra panela. Não precisa picar. Na salada também vai bem, especialmente se combinadas com outras folhas de sabor mais marcante.
Ela tem gosto de mato. Não vou dizer que é imperdível, deliciosa e de sabor marcante como uma rúcula ou mostarda porque não é. Mas, quem é meio lagarta como eu vai gostar. Eu aprecio folhas mesmo que não tenham gosto especial. Basta que não sejam desagradáveis. E estas do mato, de preferência cozidas. Podem ser amargas e picantes, que eu gosto. Mas capiçoba não é amarga, nem picante. Lembra jambu sem o tremelique. Deu pra entender?
Se encontrar alguma por aí, já sabe que é comestível e além disso é rica em betacarotenos e tem até antocianina, o mesmo pigmento antioxidante do vinho - mais nos talos que nas folhas, que lhe confere um caldinho arroxeado.
Nem lembro mais o que fiz com os ingredientes desta foto de arquivo, mas a capiçoba entrou com outras folhas e carne de porco - me parece.





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