Mel de jataí. A primeira extração
Comida Saudável

Mel de jataí. A primeira extração


Isto sim é alimento em capsula!
No ano passado, falei das minhas caixas de jataís que ganhei dos amigos Rui e Mariângela, e a aventura que foi trazê-las de Porto Alegre de ônibus. Estas abelhas da tribo Meliponini, importantes na polinização das plantas,  produzem ainda mel delicioso e nutritivo, além de cera com finalidades várias como na vedação e grudes diversos, e pólen, um complemento alimentar proteico e até terapêutico. O post sobre as abelhinhas gaúchas é este:  http://come-se.blogspot.com.br/2011/04/minhas-caixinhas-de-abelhas-jatai.html. Outras postagens sobre o mesmo tema podem ser vistos aqui e acolá. 





E,  se você viu o primeiro link, poderá perceber que o processo de extração não variou muito e eu já deveria ter aprendido com as lições do Rui, mas,  com o amigo tão longe, me sentiria mais segura se este reforço viesse de um profissional. Ainda lá no Paladar - Cozinha do Brasil, quando o Jerônimo Villas Boas havia acabado de dar sua palestra Mel de abelhas nativas, fiz a ele a proposta: "Não quer ir à minha casa me ajudar na minha primeira extração?" Para minha surpresa, ele topou na hora. Jerônimo é autor do Manual tecnológico Mel de abelhas sem ferrão, com distribuição gratuita - já falei disto e dei o link aqui - ,coordenador do projeto "Meliponicultura no Parque Indígena do Xingu? e  membro da Comissão Brasileira da Arca do Gosto, do Slow Food. Portanto, muita honra para mim confiar esta tarefa a tão boas mãos. Combinamos o dia e chamei a amiga Janaína Fidalgo, que agora também é feliz proprietária de uma caixinha.   Para quem é iniciante como eu e ela, vamos lá ao passo-a-passo.  Fotos minhas e da Janaína. 







Tiramos a caixa do lugar dela e colocamos sobre a mesa. Jerônimo tirou a parte de cima e me mostrou o batume, que é uma parede dura que isola o ninho, formada por cera e própolis endurecidos. Com uma faca ele foi tirando esta camada. 



Quando se chega aos potinhos de mel e de pólen que ficam ao redor do ninho, é só ir tirando o mel com uma ampola. Foi o que tentamos fazer, mas como é um processo muito demorado, resolvemos usar o método mais culinário - tiramos com a faca porções de potes e passamos pelo espremedor de batatas. Antes, separamos os potinhos de pólen, que se destacam dos outros por serem mais compactos, pesados e amarelados.  






Hora de peneirar e pesar o mel das três caixinhas: 705 gramas!  Não preciso dizer que o mel é delicioso. Quando é super fresco nem é tão ácido nem tão fluido quanto um mel de melipona já amadurecido. De qualquer forma, é menos concentrado que o mel de Apis e por isto fermenta com facilidade e logo fica com sabor mais azedinho e consistência mais fluida. Ainda assim, é muito bom.  O meu, guardei na geladeira, onde demora mais a fermentar.  Mas e este líquido aí na jarra ao lado? Veja a seguir:



Água de mel com guaraná: depois de separar o mel, sobram pedaços de cera misturados com pitadas de pólen e uma ou outra abelhinha não treinada ao desapego. Jerônimo contou que é costume caboclo juntar água a isto tudo e beber o caldo deste banho. É pra já. Juntamos água gelada, passamos por peneira e colocamos na jarra. É costume ainda, completou Jerônimo,  juntar um pouco de pó de guaraná para dar mais energia. É pra já também. Abri a gaveta e tirei o bastão de guaraná defumado dos índios Saterê Mawé. Bebemos com gosto um delicioso refresco que parece enebriar um pouco mas sobretudo refresca e dá forças para continuar os trabalhos.  





O Pólen é o alimento proteico das abelhas, necessário para as larvas em formação. Ficam armazenadas nos potes parecidos com os de mel. A cor pode variar de amarelo claro a laranja dependendo  das flores visitadas e tem sabor e aroma que ficam entre o mel e o floral. Pode ser guardado depois de seco para guarnecer pratos doces ou saladas. 

Tiramos o pólen com colherinha dos pequenos potes de cera, colocamos em saco de papel craft e deixamos à sombra para secar, já que tem consistência de uma farofa úmida. Só depois de seco é que é possível passar por peneira e guardar em vidro fechado, de preferência na geladeira. 




Uma Apis sendo atacada na asa por uma jataí
Álcool com cera para armadilhas e bolinhas de batume e de cera 

Cera e batume: a cera é mais macia, modelável com o calor das mãos, mas o batume é duro, formado por uma mistura de cera, própolis e outras substâncias que dão resistência para as abelhas fazerem verdadeiras paredes e vedações para os buracos da caixa. 

A cera forma camadas entremeadas de ar como um cobertor leve e fofo que mantém o conforto térmico constante do ninho, compõem a parede fina dos potes de mel e de pólen e dá formato a uma rede infinita de túneis dentro da colmeia, por onde as abelhinhas circulam, entrando e saindo pela única abertura, anunciada por um canudo cor de cera de vela, translúcido e pipocado de furos.   Os caminhos estreitos possibilitam a defesa contra intrusos que não têm outra opção se não passar por eles sem serem notados e destruídos. E, em se tratando de defesas, as meliponas podem não ter ferrão, mas são valentes. 

No outro dia, lavei bem toda a cera e batume que havia sobrado e deixei sob o sol para secar toda a água entranhada. Deixei separados batumes e ceras. Logo percebi que não poderia deixar de cobrir as bacias pois tanto jataís quanto Apis queriam extrair dali as últimas gotas de doçura, afogando-se em pequenas poças de água e mel. Cobri com tule e ainda assim as Apis não arredavam as patinhas meladas. Foi aí que olhei uma de perto e vi que o motivo não era o peso das patas lambuzadas, mas a agonia de não poder voar, com uma jataizinha grudada em sua asa. Segundo Jerônimo, as jataís vão triturando a asa da inimiga até arrancá-la fora.  Um caso deste vimos no dia da extração. No dia seguinte, porém, vi pelo menos uma dez Apis nesta situação degradante. Às vezes havia duas jataís, uma em cada asa e a Apis só balançando a bundinha ameaçadora com o ferrão ardendo de vontade de ferroar as pequenas. 

Mas, voltando às ceras e batumes, depois de bem secas e macias pelo calor do sol, amassei com as mãos, fiz bastões, cortei em pedaços e, no caso das ceras, fiz bolinhas.  O batume deixei em pedaços pois é duro para bolear. Guardei em vidros, do mesmo jeito que fiz daquela outra vez. Uma parte do batume e da cera,  diluí num vidro com álcool (aliás, se sujar as mãos ou recipientes, é só limpar com álcool, o solvente apropriado). O álcool com cera será usado em armadilhas para atrair jataís à procura de novas casas. Mas isto é assunto para outro dia. 

Armadilha para jataís: o álcool com cera diluída é usado para banhar o interior da garrafa pet usada na armadilha feita com a ajuda de cera para colar o caninho. Esta foi feita pelo Jerônimo, mas já fiz as minhas também. Depois dou o passo-a-passo. 






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