Comida Saudável
Pacu fresco ? não se engane
Outro dia, quis fazer polvo no jantar em que receberia minha amiga e ex-cunhada Leda, que há muito mora em Paris. Mesmo quando me programo para fazer algum prato, não consigo ter sorte. Chego ao lugar e vejo minha expectativa frustrada por falta de qualidade. E São Paulo não é o tipo de cidade em que a gente pode sair batendo perna de comércio em comércio à procura do item perfeito. Tem que aprender a conviver com o improviso. Normalmente já faço isto: planejo o que vou comer depois de voltar do mercado e não o contrário. Mas, neste dia, queria polvo para fazer um pulpo a la gallega, com bastante pimenton de la Vera (páprica defumada). No Extra, o polvo estava bonito, e sempre consigo, ou acho que consigo, informações privilegiadas do vendedor fingindo: ?olhe, hoje eu vou receber para jantar o maior especialista de pescados e não posso passar vergonha de jeito nenhum?. E olhe que desta vez o polvo estava realmente bonito, mas não me custava confirmar. E o vendedor: ?ah, sendo assim, melhor levar outra coisa porque o polvo já tem 2 dias. Que tal o pacu? chegou agora há pouco?. Bem, não dava pra negar. O bichão estava lindoso, tão fresco que parecia respirar mexendo o beicinho. E eu já comi pacus deliciosos, principalmente os do Pantanal. Sugestão aceita.
Temperei com muita erva e alho, admirando o frescor e o brilho úmido da carne. Um cheirinho de peixe de rio que eu não conhecia, mas pequeno. E a carne, que carne!, dava vontade de tirar uma lasca, temperar com sal e limão e inhaque.
Na hora do jantar o bichão com a pele tostadinha recebeu elogios. Eu fiquei comendo salada por mais tempo e a Suzana, minha irmã, comentou: "gosto forte, né?" - O cunhado concordou tentando atenuar que era assim mesmo e que o tempero estava muito bom. "É forte, mas é bom", continuou a Leda minimizando. Franzidinha na testa e ... xiii, o cara me sacaneou, pensei. No primeiro naco na boca, quase golfei. Era uma carne fresca com gosto de lodo. Não, melhor, era um lodo travestido de peixe fresco. Claro, pacu criado. Como não pensei nisto ao comprar?
Estes peixes são como frangos de granja. Confinados, recebem ração provavelmente enriquecida com hormônios e antibióticos para evitar doenças que aparecem nestas situações estressantes. Vivem para comer e engordar. Arrastam-se barrigudos no lodo, dando topadas um no outro e devem desenvolver distúrbios psicológicos e alimentares aberrantes para a espécie, como uma geofagia exagerada e patológica. E nada de nadar. Cadê meu rio?
Gente, isto é puro chute. Quem tiver informações de criação de pacus e hábitos alimentares do bicho, que se manifeste. Mas, ali, com aqueles dois quilos de lodão assado lixo afora, esta intuição me pareceu a mais incontestável verdade.
Normalmente peixes como a curimbatá ou carpas têm certo gosto de barro, que eu bem conheço e não rejeito. Estes peixes comem lodo do fundo dos rios para tirar matéria orgânica essencial para o seu desenvolvimento - composta por sementes, protozoários, insetos, algas e microorganismos. O que eu sei é que o gosto de barro se dá pela presença de um óleo chamado geosmina, produzido pela decomposição das cianobactérias presentes entre os detritos. Tudo isto é normal, mas está claro que houve no pacu uma aberração. É, pois é, acho que o peixeiro me sacaneou mesmo. De hoje em diante prometo nunca mais mentir para conseguir o que me é de direito.
Qualquer dia, quando encontrar polvo fresco, faço o pulpo a la gallega e dou a receita. Por enquanto, quem tiver um bom polvo por perto e quiser se fartar, veja a receita aqui no melhor site espanhol dedicado ao consumidor (consumer.es). Do pimentón de la Vera também falo outra hora.
(obs: Vatel teria se matado e Jacinto, se jogado no poço do elevador de comidas, mas na minha casa só recebo amigos com quem posso dividir as tragédias com riso e tudo terminou bem, continuamos dando risada, comendo salada de batatas com mostarda, pão quente e vinho gelado - mas, pacu agora, só no Pantanal)
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