A popularidade das dietas LCHF vai disparar uma nova epidemia de doença cardíaca ?
Comida Saudável

A popularidade das dietas LCHF vai disparar uma nova epidemia de doença cardíaca ?


Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

por Axel Sigurdsson.



Dietas pobres em carboidratos e ricas em gorduras (LCHF) tem ganhado popularidade crescente atualmente. Muitos especialistas no campo da epidemiologia da doença cardiovascular tem expressado preocupações graves e alertado que tal mudança no padrão dietário pode aumentar o risco de problemas do coração. alguns argumentaram que LCHF representa uma ameaça à saúde pública em muitos países do mundo.

Um aumento recente no consumo de manteiga pode refletir a magnitude do problema e é por muitos considerado alarmante. O consumo de manteiga atingiu o pico de 44 anos em 2012, de acordo com dados do governo americano, enquanto a margarina enfrenta a maior baixa dos últimos 70 anos. Na Alemanha atualmente, a venda manteiga supera a de margarina em uma proporção de 3 para 1, e a vantagem está aumentando. Um aumento similar no consumo de manteiga também é reportando na Escandinávia e muitos outros países europeus.

Apesar de a manteiga cair bem com um estilo LCHF, escolher manteiga pode também refletir o fato de que as pessoas estão mudando sua percepção da comida e buscando por alternativas mais saudáveis. Elas estão se afastando das comidas altamente industrializadas e dos ingredientes artificiais.

A questão se LCHF é danoso ou não  toca o núcleo da nossa compreensão sobre as causas da doença cardíaca, e as razões para a epidemia da chamada doença coronariana (DC). Este é o motivo de o debate ser ao mesmo tempo importante e desafiador. Deixe-me contar a você o porquê de tantos especialistas acreditarem que LCHF pode ser perigosa. Então, talvez você possa ter a sua opinião sobre o tema.

A epidemia de doença coronariana



Pelos últimos 60 anos, DC tem sido uma das principais preocupações com a saúde. Apesar de inicialmente mais proeminente em países de alta renda, hoje em dia 80% das mortes por DC ocorrem em países de renda baixa e média. Um aestimativa de 17.3 milhões de pessoas morreram de doenças cardiovasculares em 2008, representando 30% de todas as mortes no mundo. Destas, estima-se que 7.3 milhões foram devidas a DC e 6.2 milhões devido a derrames.

A apresentação clínica da DC varia muito. Às vezes é uma doença crônica silienciosa que progride lentamente. Em outros casos é repentina, inesperada e imprevisível. Através das décadas, DC trouxe fim às vidas de muitas pessoas no seu auge. Ela privou esposas dos maridos, e maridos das esposas. Tragicamente, sem aviso, roubou crianças e adolescentes de seus pais.

A mais maligna das DCs, o infarto agudo do miocárdio era relativamente desconhecida no início do século XX. Então veio  a epidemia. Nos anos 1950, infarto agudo do miocárdio foi reconhecida como uma das causas mais comuns de mortes no mundo industrializado. Os sintomas eram frequentemente dramáticos e devastadores. Uma pessoa previamente saudável era repentinamente atingida por dor severa no peito, comumente associada com irregularidades sérias do ritmo cardíacao, geralmente resultando em morte súbita. Os sobreviventes frequentemente tinham que lidar com as consequências de danos a grandes partes do músculo do coração, às vezes resultando em falha cardíaca, qualidade de vida muito comprometida e expectativa de vida encurtada.

Apesar de ainda ser uma importante causa de morte no mundo, a taxa de mortes por DC declinou nos EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e todos os países euroepus. É nos países com a incidência mais alta que o maior declínio ocorreu. Estudos reportaram até 80% de redução da mortalidade por DC nos últimos 30-40 anos em países como o Reino Unido, Eslováquia, Polônia, Holanda, Irlanda, Finlândia, Islândia e Suécia. Um estudo sueco recente indica que as taxas de morte por DC ainda estão caindo, tanto entre velhos quanto jovens.

É um pouco incerto quanto do declínio na taxa de mortes por DC é devido à redução da incidência da doença, e quanto é devido à melhor chance de sobrevivência dos afetados. Obviamente o prognóstico melhorou e alguns estudos reportaram o declínio da incidência de DC.

Outra questão é se o decréscimo na tendência da mortalidade por DC é devido a mudanças em grandes fatores de risco cardiovascular, melhores tratamentos médicos e cirúrgicos, nenhum deles ou todos.

Muitos investigadores já usaram o chamado modelo IMPACT para analisar o papel das medidas preventivas versus as medidas tratativas  na taxa de mortalidade por DC. Todos esses estudos reportam que mais da metade do declínio da mortalidade pode ser atribuído a redução nos grandes fatores de risco.

O papel da dieta


Apesar de haver algumas diferenças, a interpretação dos dados de diversos países nos quais o modelo IMPACT foi usado, segue um padrão comum. Reduzir o colesterol sanguíneo parece ser um contribuidor importante para o declínio da mortalidade por DC em muitos destes estudos. Por conseguinte, medidas dietárias direcionadas à redução do colesterol são usualmente frisadas pelos investigadores. A experiência islandesa é um bom exemplo.

Investigadores islandeses relataram um declínio de 80% na taxa de mortalidade por DC entre 1981 e 2006. Baseado no modelo IMPACT, aproxiamdamente 73% da redução na mortalidade podia ser atribuída à redução de fatores de risco. Entre estes, uma redução do colesterol sanguíneo teve o maior papel, e pareceu ser mais importante que a redução do tabagismo, pressão sanguínea mais baixa e menos atividade física. Destacadamente, tendências opostas foram notadas para obesidade e diabetes, aumentando a mortalidade em 4 e 5% respectivamente.

Os investigadores concluíram que:

A grande queda no colesterol entre 1981 e 2006 reflete grandes mudanças na dieta islandesa, seguindo-se à publicação dos Objetivos Dietários para Islandeses.

Estes objetivos são muito similares aos objetivos dietários para os EUA e a maioria dos países europeus. Deixe-me citar o artigo islandês novamente:

A política nacional é baseada nos objetivos dietários nos quais a redução da gordura saturada, especialmente do leite e laticínios, carne de cordeiro e margarina, é grandemente enfatizada. A política alimentar e os objetivos dietários tem influenciado muito a educação e consciência nutricional no país.
Os dados de suprimentos de comida islandeses claramente demonstram as mudanças subsequentes. Nos anos 1970, a dieta era caracterizada pelo alto consumo de leite integral e laticínios, margarina, manteiga, cordeiro e peixe. Entretanto, entre 1981 e 2003 houve um consumo de 73% no consumo de leite integral e laticínios, e o suprimento de cordeiro diminuiu em 50%.
A partir dos anos 1990, o consumo de energias vindas de gordura diminuiu de 40 para 36%. Mas mais importante, a composição da gordura também mudou de mais saturada e trans para cis-insaturada.

Ovelhas pastando no sul da Islândia


Interessante notar que, enquanto tais mudanças ocorriam, o consumo de açúcares refinados aumentava (bebidas adoçadas em particular) e o consumo de peixe diminuía. Então, apesar de menos gorduras totais e saturadas terem contribuído para a baixa do colesterol sanguíneo entre os islandeses, é óbvio que muitas das alterações nos hábitos dietários entre 1981 e 2006 foram de natureza negativa. Isso é também refletido pelo fato de que os obesos e sobrepesados mais que dobraram durante o mesmo período.

Então, finalmente, aqui está o ponto: se o decréscimo no consumo de leite integral, laticínios e cordeiro teve um papel tão importante em reduzir o colesterol e a morte por DC entre o povo da Islândia, então LCHF certamente deve ser uma ameça. Mas...

Gordura saturada - A vilã ou uma distração


Então, uma vez mais tudo se reduz à gordura saturada; laticínios, manteiga e carne vermelha. Entretanto, tenha em mente que nenhum produto alimentício contém apenas gordura saturada e nenhum outro tipo de gordura. Gordura saturada ou insaturada puras nunca são consumidas. Por exemplo, carne de boi contém uma alta propoção de gordura monoinsaturada além da saturada. Laticínios (leite, creme de leite, manteiga e queijo) é a única classe de comidas onde a proporção de gordura saturada é muito maior que as proporções dos outros tipos de gordura.

Através dos anos, temos sido levados a crer que os ácidos graxos saturados (SFA) elevam o colesterol sanguíneo. Nos foi dito que colesterol alto vai aumentar o risco de doença cardíaca. Assim, é fácil assumir que consumir SFA vai aumentar o risco de doença cardíaca. Entretanto, o problema é que os efeitos da SFA no colesterol e diferentes lipoproteínas foi supersimplificado. Além disso, a evidência epidemiológica ligando gorduras saturadas a DC era fraca desde o início.

Gordura saturada - A vilã ou uma distração


Apesar de as SFAs poderem elevar o colesterol total e o LDL, elas parecem elevar o HDL também. Entretanto, a disponibilidade de lipoproteínas aterogênicas não necessariamente aumenta. Além disso, SFAs reduzem as partículas pequenas e densas de LDL e elevam as partículas grandes e flutuantes. Partículas grandes geralmente representam menos risco que as pequenas. Então, afirmar que gordura saturada afeta adversamente os lipídios sanguíneos é enganador.

Apesar de carboidratos terem menor probabilidade de elevar o colesterol total e o LDL, eles frequantemente elevam os triglicérides e reduzem o HDL. Tais mudanças lipídicas podem abrigar efeitos cardiometabólicos negativos.

Um dos primeiros artigos que aconselhavam a reduzir a ingestão de SFA foi publicado em 1961 pela Associação Americana do Coração. Algum suporte para isso veio de estudos observacionais, incluindo o estudo dos 7 países de Ancel Keys, que sugeria uma relação entre SFA e o risco de morte por DC.

Mais tarde, no Estudo da Saúde das Enfermeiras uma grande proporção de ácidos graxos poliinsaturados (PUFA) em relaçaõ aos saturados foi associada com menor risco de DC. O Estudo do Hospital Mental Finlandês, publicado em 1979, encontrou menos mortes por DC e menores taxas de infartos em um hospital que administrava laticínios nos quais as SFAs haviam sido trocadas por PUFAS, comparado com laticínios comuns contendo SFA. Por outro lado, a intervenção nos componentes, feita na Pesquisa Coronária de Minenesota, não mostrou que aumentar a quantidade de PUFA às custas da SFA resultava em menor risco de DC.

A ingestão de diferentes tipos de ácidos graxos em relação ao risco de DC foi estudada no extenso Estudo de Saúde das Enfermeiras. Quando os carboidratos foram usados para comparação, as gorduras trans eram as mais fortemente associadas com o risco de DC. A ingestão de SFA não foi significativamente relacionada ao aumento do risco de DC quando comparada com carboidratos. Então, substituir SFA por carboidratos foi inútil. De fato, uma análise conjunta de grandes estudos de coorte indica que havia um risco significativamente maior de DC com os carboidratos, comparado com SFA. Entretanto, MUFAs e PUFAs foram associadas com menor risco comparadas aos carboidratos.

Uma revisão sistemática da evidência que suporta uma ligação causala entre diversos fatores dietários e doença coronária foi publicado em 2009. A análise conjunta de 43 estudos clínicos randomizados mostrou que o consumo aumentado de ácidos graxos ômega-3 marinhos e um padrão de dieta mediterrânea estavam cada um associado com risco significativamente menor de DC. Alta ingestão de ácidos graxos poliinsaturados ou gorduras totais não estiveram significativamente associados com DC, e a ligação entre gorduras saturadas e DC mostrou-se fraco.

Pelos últimos 5 anos, um número de relatórios (1, 2, 3, 4, 5) concluiu que há uma associação fraca entre o consumo de SFA ou comidas ricas em SFA (carne e leite) e o risco de DC. Tais estudos não podem ser negligenciados quando analisamos a evidência corrente para a associação entre SFA e doença cardíaca.

A popularidade das dietas LCHF vai disparar uma nova epidemia de doença cardíaca ?


Gorduras trans são o único tipo de gordura que parece impor maior risco para DC do que os carboidratos. Não há evidência de que trocar outros tipos de gorduras por carboidratos vai reduzir o risco. Então, reduzir os carboidratos e aumentar o consumo de gordura não deveria aumentar o risco de doença cardíaca, a menos que carboidratos sejam trocados por gorduras trans. Por conseguinte, é improvável que o declínio na taxa de mortalidade por DC possa ser ligado ao decréscimo do consumo de gordura saturada. Além disso, se as gorduras trans forem evitadas, não há razão para crer que a popularidade de LCHF venha a disparar uma nova epidemia de doença cardíaca.

Estamos em 2014 e a taxa de mortalidade por DC continua a decair, apesar de LCHF ser praticada há bastante tempo. Se chegar o dia em que veremos a desaceleração do declínio ou um aumento da taxa de mortalidade, acredito que muitos especialistas vão culpar a mudança dos hábitos dietários associados com a popularidade de LCHF. De fato, uma reversão do declínio populacional dos níveis de colesterol foi recentemente relatada na Suécia, onde a popularidade de LCHF é muito alta. Entretanto, até hoje isso não se refletiu em uma reversão no declínio da mortalidade por DC.

Na maioria dos países onde a taxa de mortalidade por doença cardíaca decresceu, a população com sobrepeso, obesidade e diabetes tipo 2 aumentou. Como a obesidade está fortemente ligada ao risco cardiovascular, muitos especialistas estão surpresos que a incidência e taxa de mortalidade continue a declinar. O mais provável é que haja um atraso entre o aumento da incidência de obesidade e taxa de mortalidade por DC. No fim das contas, se as tendências de obesidade não forem revertidas, é improvável que o declínio da mortalidade por DC continue.



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